quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Sobre a fé e sua ausência hoje: uma confissão pessoal

Faithless

“Sem fé é a pessoa que diz adeus quando a estrada escurece” [J.R.R. Tolkien].

Alguns ateus costumam alegar que não aderem a fé, nem a Deus, porque são caminhos fáceis, que nos infantilizam, nos livram da dor de viver, de encarar (e abraçar) a vida como ela é, e nos transportam para outra vida, uma vida idílica, sem problemas, incertezas ou dor e, como consequência, promovem uma espiritualidade do sobrenatural, do metafísico, do etéreo. Particularmente penso que eles estão certos nestas alegações, pois sinto exatamente a mesma coisa quando olho para a espiritualidade cristã por muitos praticada, embora estas não sejam razões suficientes para que eu abandone a fé, ou para que ela seja de mim extirpada. Entretanto, não é nenhum absurdo pensar o contrário, ou seja, que a descrença seja um caminho fácil – no fundo, consinto que nenhum dos dois caminhos deveria ser enquadrado como “fácil”. Mas se eu tivesse que indicar um, escolheria a descrença, que é relativamente mais cheia de recursos de todo tipo (materiais, empíricos, lógicos, racionais) que o da crença, ou melhor, da fé – isto para quem, como eu, rejeito a apologética moderna. Isto, pois entendo – e não somente entendo, experimento na pele – que crer é particularmente difícil. Requer de mim o esforço de persistir, de aceitar, de descansar, em meios às minhas inúmeras inquietações, dúvidas e a própria “falta de fé” em certos momentos, cruciais eu diria.

De fato, não é necessário crer quando sua única fidelidade e confiança estão naquilo que vê, no mundo material, nas leis do universo, na vida que pulsa naturalmente, a única que realmente temos. A fé, por sua vez, torna-se imperativa no ser quando sensivelmente constata que nada disso é o bastante, quando a vida vira vaidade ou quando nada faz sentido, como se constata em Eclesiastes. Então, por que é que alguma coisa precisa existir (por trás e movendo os relances de eternidade que meu coração abriga) ao invés de nada? Aí é que está, não precisa existir; posso até concordar racionalmente que há grandes probabilidades de que tudo seja um nada, e de que este “nada”, misterioso e inescrutável, seja “tudo”. Mas meu espírito diz outra coisa; minha angústia também. Conduzem-me de novo a Deus, por mais resistente que eu seja a este nome ou ao que nossas ideias fizeram dele. Aqui reside o crer: crer a despeito da própria descrença, esperar contra a esperança. Esperar e agir, sem deixar de sonhar o real, vivendo-o.

Tenho sido assaltado por questões cruciais sobre a fé em Deus, e tenho questionado quase tudo, tanto que às vezes parece que não restará pedra sobre pedra ou chão para se pisar. E confesso: o ateísmo de certo tipo tem sido uma iminente tentação; não o ateísmo militante e pseudocientífico, mas aquele lúcido, de espírito irênico, que respeita a crença alheia sem deixar de se posicionar, e se posiciona de modo coerente, honesto, visceral também, embora sem abandonar a via racionalista ou existencialista, e por isso incomoda espíritos pensantes que são honestos para com suas dúvidas – já que nem todo pensante é honesto, embora quase todo honesto seja, por assim dizer, um pensante, uma vez que a honestidade parte do reconhecimento – e rejeitam simplismos e silogismos, ateístas ou teístas.

Por isso, a fé, para mim, é um desafio. Como permanecer crendo quando ‘Deus’ – ou seja, a ideia, seus sistemas ou as grandes narrativas de referência – está morto e a sua religião em ruínas? É preciso muito mais que o anseio por consolo e alento para manter a fé de espíritos honestos viva; antes – e este é meu caso –, é preciso a coragem de assumir-se como um não-ser sem fé, um não-ser sem Cristo. E que não quer a fé como refúgio do mundo, mas como modo de ser-ver-viver-agir no mundo. Quer, portanto, uma fé humana, uma fé mundana. Mais que o “salto no escuro” de Kierkegaard, crer é querer crer, como o homem que a Jesus disse: “creio, mas ajuda-me na minha falta de fé”; crer é crer que se crê (Vattimo) ou acreditar em acreditar, e é ter razões mais profundas que as que, pelas limitações próprias de nossa finitude, cabem na razão, razões da sensibilidade última de cada ser, razões nem sempre explicáveis ou demonstráveis.

A fé é aquilo que se mantém quando todos os seus adornos perdem sua razão de ser, e quando só sobra o seu alfa e seu ômega, que não se retém em linguagem ou conceito algum, mas que, na falta de um nome melhor e condizente, e conquanto dele é preciso falar, prossigo chamando de ‘O eterno’, ou simplesmente ‘Deus’.

Jonathan