quarta-feira, 28 de maio de 2008

Abertos para um balanço (II)

Um amigo, certa vez, me deu uma simples (e aparentemente óbvia), mas significativa exortação, ao dizer que “a melhor maneira de resolver um dilema é não tentar escondê-lo, de si mesmo e dos outros”. Meu posicionamento naquele momento era como o de uma ostra, ou um avestruz, tentando me esconder a todo custo e querendo evitar que a claridade trouxesse à tona meus erros, medos e frustrações, os quais eu insistia em manter no secreto. A introspeção (apesar de salutar e alguns momentos), neste sentido, é a pior e mais enganosa maneira de se solucionar um problema, seja ele de ordem moral, psicológica ou espiritual. É como diz C.S. Lewis:

A pretensão de descobrir por meio de análise introspectiva a nossa condição espiritual afigura-se-me coisa mais horrível que jamais nos pode revelar os mistérios do Espírito de Deus ou do nosso; na melhor das hipóteses revela-se a sua transposição para o intelecto, a emoção e a imaginação; e na pior constitui o caminho que mais rapidamente conduz à presunção ou ao desespero[1].

E isto vale não apenas para os problemas, mas também às alegrias, vitórias, sonhos, perdas e dores, ganhos e desventuras da vida. Expor o nosso íntimo pode significar a abertura de um leque de possibilidades, que inclui oportunidades para que outras pessoas nos ajudem a suprimir nossas deficiências, e para que também sejam ajudadas. Assim, o que antes parecia ser problema, isto é, fazer-me conhecido como sou às outras pessoas, passa a ser solução, pois, conforme Paulo, “nenhum de nós vive para si, nem morre para si” (Rm. 14:7). Se vivêssemos (ou morrêssemos) tão somente em causa própria, Cristo deixaria de ser senhor (centro) de nossa existência e morte, e assim retornaríamos à condição precedente de “velho homem” e “velha mulher”, cedendo aos apelos humano-diabólicos do ego e do orgulho. Desta forma, um simples “fechar para balanço” pode ser muito mais nefasto do que podemos imaginar.

Henri Nouwen aponta para um possível “caminho de retorno”, que é o de estarmos abertos para balanço, alimentando a in-clusividade e o auxílio mútuo, incentivando uns aos outros a encarar as perdas e lutas de frente:

Ao aceitar sem repulsa as dores da vida, poderemos encontrar o inesperado. Ao convidar Deus para participar de nossas dificuldades, fundamentaremos nossa vida – até mesmo seus momentos tristes – em alegria e esperança. Ao parar de querer apossar-nos da vida, receberemos mais até do que conseguimos agarrar por nós mesmos. E aprenderemos o caminho para um amor mais profundo pelos outros. [...] Percebi que a cura começa quando tiramos nossa dor do isolamento diabólico e passamos a ver que, por mais que soframos, sofremos em comunhão com toda a Humanidade, bem como com toda a criação. Ao agir desse modo, tornamo-nos participantes da grande batalha contra o poder das trevas. Nossa vida participa de algo muito maior[2].

Jonathan
Notas
[1] LEWIS, C.S. Palestras que Impressionam. São Paulo: Edições Vida Nova, 1964, p. 15.
[2] NOUWEN, Henri. Transforma meu pranto em dança. 2ª ed. Rio de Janeiro: Textus, 2003, p. XV, 04.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Abertos para um balanço (I)


Não há quem nunca tenha se deparado com o seguinte enunciado: “Estamos fechados para balanço”. O mesmo define uma situação, um sentimento, um “estado de espírito”, uma atitude resultante dos finais de ano ou de um período de longa duração. Para muitos, o ato de “fechar-se” supera o mero simbolismo, posto que representa uma auto-avaliação, uma autocrítica; é quando o voltar-se para si ganha lugar em nossa quase sempre curta, mas repleta, agenda de compromissos e atividades mil. Empresas, instituições, organizações governamentais ou não, públicas ou privadas, também costumam “fechar” para um balancete anual. Muitas pessoas igualmente adotam tal postura em relação a si mesmas, visando uma revisão do que passou e um planejamento do futuro.

Nossa agenda durante o ano todo já parece ser tão autocentrada, que a atitude de “fechar para balanço” torna-se, com efeito, irônica e redundante. Como seria possível ser ainda mais recluso do que quotidianamente temos sido? Olhares indiferentes, “bons dias” fracos e sem vida, conversas superficiais, relacionamentos sem sabor, sem cor ou estórias pra se contar, e outras características mais atestam a reclusão num universo onde só existe espaço para os meus interesses, meus propósitos, meus planos, meus desejos, meus valores, meus problemas, meus, meus, meus... O ditado que afirma: “nenhum homem (mulher) é uma ilha”, carece de uma sincera revisão.

Ora, com o inevitável avanço das comunicações, pode-se dizer que estamos envoltos por uma “rede” de relações múltiplas, pessoais ou não, e, assim, seria falso afirmar que as pessoas são ilhas. No entanto, mesmo envoltos por esta “rede” e, por isso, não estando tão “ilhados” em relação às coisas externas, internamente construímos nossas próprias “ilhas”, à medida que escondemos, nos recônditos mais profundos de nosso ser, pensamentos, sentimentos, dores, frustrações, alegrias, percepções da vida, isto é, coisas boas ou ruins que preferimos omitir ao mundo exterior, temendo talvez a crítica e, por conseguinte, o julgamento e o desprezo. Esta reação, que Paul Tournier chama “reação fraca”, não deixa de ter uma certa lógica, visto que a “imagem” é um dos grandes ídolos de nosso tempo: “Imagem é tudo”, ser não é tudo. Assim, tais reações refletem muito mais uma tendência gradual que uma necessidade propriamente dita.

Continua...

Jonathan

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Sobre transgredir a si mesmo (II)

Dias atrás um amigo questionou-me sobre minha aparente “obsessão” por Henri Nouwen. Por que Nouwen? Respondi-lhe prontamente que esse autor me fascina pelo modelo de ser humano que ele foi: honesto, sensível, compassivo, e um gênio com as palavras. Sua forma de falar abertamente sobre suas feridas expostas, sangramentos da alma não estancados, traumas e carências mais latentes é simplesmente admirável, especialmente vindo de quem vem – um padre, brilhante escritor, professor e conferencista renomado.

Nouwen certamente mostrou a todos o significado de transgredir a si mesmo. Ele não privou ninguém de suas dúvidas mais prementes, tampouco de seu eu-ferido, bem como de seus fardos e sobrecargas. Isso se destaca na passagem seguinte, escrita por ele:

Após dez anos vivendo com pessoas deficientes mentais, tornei-me profundamente consciente de meu coração repleto de tristeza. Houve um tempo em que dizia: “Anoque vem vou resolver tudo isso”, ou “Quando me tornar mais maduro, essesmomentos de escuridão irão desaparecer”, ou “A idade vai diminuir minhas carências emocionais”. Mas agora sei que minhas tristezas são minhas e jamais me deixarão. Sei que são muito antigas e muito profundas, e não há pensamento positivo ou otimismo que possa diminuí-las. A luta adolescente para encontrar alguém que me ame ainda está lá; necessidades insatisfeitas de afirmação de um jovem permanecem vivas em mim. (...) Além de tudo isso, experimento profunda tristeza por não ter me tornado quem eu queria ser, e porque o Deus para o qualtenho orado tanto não me deu aquilo que tanto desejei.

(“Podereis beber do cálice”, p. 31).


Diante de suas confissões tão sinceras e abertas e da forma “jubilosa” com que aceita suas dores, percebo que minha aproximação com Nouwen não é gratuita e nem é apenas fruto de admiração intelectual. Falo da forma como Nouwen trata o sofrimento como uma maneira de projetar uma frustração pessoal: a de ser tão pouco resistente ao sofrimento, de minha fuga da dor e do desconforto, de minha baixa imunidade às frustrações inerentes ao viver. Percebo que transgredir a si mesmo passa pela desconfiança do óbvio, do dado, do ponto pacífico; é mergulhar profundamente na realidade de quem somos, por mais penosa e desagradável que seja.
Jonathan

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Sobre transgredir a si mesmo (I)

Transgredir é o ato de quebrar as regras, as normas estabelecidas, de transpassar o ato contínuo, obediente, impensado, de rebanho; é a força motriz que nos impele a sair do conforto, a não se acomodar com o status quo, a contestar certos valores, a aprender a receber jubilosamente tanto os presentes e dádivas como os golpes e até marretadas da vida.
Escrever é transgredir! A escrita, para mim, é um espécie de divã, um lugar da permissão para transgredir a mim mesmo. E, como disse certo professor, o que é a transgressão senão a transgressão de si? Ora, transgredir o outro é uma prática comum, corriqueira e, de certo modo, confortável. O desconforto gerado pela transgressão deve ir além daquele que o outro pode sentir, mas o que eu me permito sofrer ao transgredir a mim mesmo. Sem desconforto e dor, não há crescimento.
Transgredir a si mesmo implica em escancarar as portas de nosso eu, retirar todas as máscaras, desfazer-se de toda e qualquer postura cênica e ser, assim, franco consigo mesmo, dando respostas honestas a perguntas honestas, como diria Francis Schaeffer. É colocar-se sob suspeita constante, suprimindo o medo paralisante frente aos possíveis resultados da suspeita. Esses últimos dias têm sido dias em que tenho me colocado sob suspeita, e questionado muitas de minhas motivações, escolhas, sentimentos, pensamentos, posturas. Até que ponto posso afirmar que sou aquilo que tenho tentado demonstrar/provar ser, a mim mesmo e aos outros? O quanto de dissimulação há em minhas palavras? Quais são as motivações escondidas por trás daquele modo de pensar?
Começo a perceber que esse transgredir vai muito além de ser honesto ao ponto de admitir sem reservas quem somos. É preciso também encarar-se de frente. É uma luta em frente ao espelho, todos os dias. E uma luta pra não terminar como Narciso: sozinho e emocionalmente entorpecido perante a própria imagem.
Jonathan

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Pastoreando o Rebanho de Deus

Portanto, apelo para os presbíteros que há entre vocês... pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados”.
(1Pe 5.1-2)

Essa, com certeza, era uma das necessidades mais urgentes dessas pessoas dispersas e confusas a quem Pedro se dirige: isto é, de receberem cuidados, orientação e alento em meio a tantos sofrimentos e incertezas. A natureza desse cuidado consiste no âmago do ofício presbiteral: servir de exemplo e padrão dos fiéis na peregrina caminhada. Poucas pessoas talvez se dêem conta de que uma das funções primordiais do presbítero (líder/pastor) é a de pastorear. E pastorear, essencialmente, é caminhar junto, não simplesmente apontar caminhos através de conselhos, tantas vezes, prematuros.

A cobrança em torno do presbítero, nesse sentido, não é para que se transforme num líder polivalente, personalista e ganancioso, como muitos líderes hoje, consciente ou inconscientemente, ambicionam se tornar. Sua tarefa é mais ampla e difícil: conduzir o rebanho com o desejo de servir (não dominar) e em busca da mútua cooperação, como aconteceu com os primeiros cristãos (At 2.42-47). Não é o pastoreio do isolamento, da imunidade ou superioridade em relação às ovelhas, mas da sujeição, encarnação e envolvimento, dignos de servos participantes dos sofrimentos e também da glória de Cristo.

Os presbíteros devem olhar pelo rebanho não por obrigação, como sendo um fardo, mas de livre vontade como Deus quer. Uma prática de liberdade. O jugo de Jesus não nos escraviza nem nos induz a aprisionarmos outros, mas nos conduz à liberdade. Sua forma, porém, é paradoxal, por isso o mundo não consegue compreender. O serviço é a marca do presbiterato. Servir é tornar-se livre e, ao mesmo tempo, promover a libertação do próximo de seus cativeiros. Todavia, a graça de servir um Reino destinado aos despossuídos e fracos, onde todos são colocados num mesmo patamar de importância, é tarefa para os humildes, não para os auto-suficientes. Servir ao Reino significa ingressar num mundo de deficientes, considerando-se o maior (pior) de todos eles.

Desse modo, a principal, e talvez mais onerosa recomendação de Pedro aos presbíteros, jovens e demais membros da comunidade é: “Sejam todos humildes uns para com os outros, porque Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes” (1Pe 5.5). Eis o mistério que torna o ofício do presbítero algo tanto custoso quanto fascinante: para ser líder (servo), antes é preciso aprender a se humilhar. Presbíteros devem ser servos maduros. Só que maturidade não significa apenas saber guiar, mas, sobretudo deixar-se guiar igualmente pelos outros (Jo 21.18). Ser líder, em parte, é também ser liderado. Num sentido mais amplo, o caminho do presbítero, do líder cristão, é o caminho de Cristo, que, nas palavras de Henri Nouwen, “não é o caminho da ascensão, no qual o mundo atual investe tanto. É o caminho descendente, que termina na cruz”.
Jonathan

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Respostas honestas a perguntas honestas

Uma das ambições mais caras a todo cristão deveria ser a honestidade. E não falo só daquele tipo de honestidade que consiste em ser bom e correto para com os outros. Falo de uma honestidade mais profunda e difícil. Aquela em que olhamos para nós mesmos sem medo confrontar a realidade de quem somos e tampouco de assumir isso perante Deus e as pessoas. E, em assumindo isso, podemos também assumir nossa vocação de ser profetas numa socidade que parece estranhar toda e qualquer mensagem confrontadora.
Isso é um pouco complicado, quando nutrimos a expectativa de que quanto mais diretos e francos sejamos com os outros, menos aceitos e aprovados seremos. Ora, isso não é uma inverdade em termos práticos, pois um dos frutos da honestidade é, sem dúvida, o rechaço, e incompreesão e o alijamento. Gustavo Gutiérrez diz ainda que “a honestidade pode trazer perseguição, prisão ou morte”. Contudo, a honestidade é para os corajosos e não para os pusilânimes. Ela não combina com um espírito de covardia e medo, e sim de ousadia e liberdade.
E isso se traduz não só no modo como exercemos nossa vocação, mas na maneira como nos relacionamos também. Primeiramente com Deus. O salmo 139 fala de um Deus que me sonda e me conhece bem, sabe quando me assento e me levanto; que esquadrinha meu andar e o meu deitar e conhece todos os meus caminhos; ainda as palavras não me chegaram a boca, e Ele já conhece tudo o que as precede, desde os mais recônditos cantos de minha alma, onde ressoam as inquietudes de meu ser, até as mais belas ou sórdidas artimanhas de meus pensamentos.
Como posso viver a vida tendo em vista um Deus que me vigia 24 horas? Hoje em dia a questão da privacidade é-nos tão cara, como uma jóia preciosa, que nem Deus tem permissão para entrar nos nos quartinhos secretos de nossa existência. Nem Deus e nem os outros. Mas Ele nos responde com honestidade, não nos engana, mas nos conduz pelos caminhos de vida. Não faz sentido se esconder Dele, não só porque isso não é possível, mas porque uma vida honesta com Deus é uma vida mais saudável. Não precisamos temer julgamentos. Se existem dúvidas, medos, anseios, lamentos, ainda que tenhamos receio de expressar, Ele já os conhece de antemão. Que mais nos resta senão escancararmos nossas vidas a esse Deus, que não zela por nós porque é um “xereta”, mas porque nos ama e porque Ele é Deus e, sendo Deus, conforme Jesus nos revela, não poderia ser diferente.
E a que mais uma vida em honestidade pode me conduzir? Deixo a pergunta para o próximo post.
Jonathan

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A espiritualidade da honestidade

É muito difícil unir piedade e razão, especialmente quando estamos muito envoltos por esse ambiente racional da academia. Para mim é sempre um desafio de vida: amar tanto a Deus, quanto eu acho que sei a respeito Dele, porque sei que ele está interessado no meu amor, não tanto no meu conhecimento. Ambos precisam vir juntos, embora seja pelo amor que Ele me alcançou e me alcança sempre, seja através de um gesto, uma oração, um cântico, a palavra de alguém, as coisas simples da vida, a leitura de um livro...
Enfim, Henri Nouwen tem me ajudado muito a ler a bíblia, meus relacionamentos e a vida com outros óculos. Sabe o que mais me impressiona nele? A honestidade com que trata de seus relacionamentos e as feridas e alegrias mais escondidas... Uma das leituras que me marcou foi o Diário do último ano sabático dele. Ele terminou esse diário um mês antes de morrer. Ali, ele faz confissões das mais sinceras; fala sobre diversos temas como Deus, oração, amizade, teologia, sofrimento, etc.
Duas passagens me tocaram demais, especialmente por pensar que são palavras vindas de um homem de Deus, que abençoou e continua abençoando tantas vidas, que já havia atingido um estágio de maturidade grande em sua vida (em plena velhice, 64 anos) e que, ainda assim, era capaz de reconhecer traços de imperfeição, fraqueza, dor e precocidade em seu ser; e mais, em tudo isso, conseguir enxergar um caminho para a sua redenção pessoal! É simplesmente impactante, pelo menos pra mim, que ainda sou relativamente jovem... Deixo você com as palavras do Nouwen, em 3 momentos diferentes:
Primeiro ele define oração: “A oração é a ponte entre minha vida inconsciente e consciente. Ela conecta meu pensamento com meu coração, minha vontade com minhas paixões, meu cérebro com meu estômago. A oração é a única via para deixar o Espírito vivificante de Deus penetrar todos os recantos de meu ser. É o instrumento divino de minha completude, unidade e paz interior”.
Depois ele fala sobre sua própria vida de oração: “Gosto de orar? É meu desejo orar? Reservo tempo para orar? Francamente, a resposta é ‘não’ para todas as três questões. Depois de 63 anos de vida e 38 de sacerdócio, minha oração parece tão morta quanto uma pedra. (...) A verdade é que não sinto nada de singular quando oro, se é que sinto alguma coisa. Não há emoções intensas, sensações físicas, ou visões mentais. Nenhum de meus cinco sentidos é tocado – nenhum cheiro especial, nenhum som especial, nenhuma imagem especial, tampouco algum movimento especial. Se por um bom tempo o Espírito agiu tão claramente em minha carne, agora não sinto nada. Vivi na expectativa de que a oração se tornaria mais fácil à medida que eu envelhecesse e me aproximasse da morte. Mas parece estar acontecendo o contrário. As palavras escuridão e aridez parecem ser as melhores para descrever minha oração hoje”.
Por fim, uma confissão marcante: “O que fazer com essa ferida interior que é tão sensível e começa a sangrar de novo? É uma ferida tão familiar. Está comigo há tantos anos. Não acho que esta ferida – essa enorme necessidade de afeição e esse enorme medo de rejeição – vá sumir um dia. Ela está aqui para ficar, mas talvez por uma boa razão. Talvez seja uma passagem para minha salvação, uma porta para a glória, e uma transição para a liberdade!”.
Que essas palavras ajudem você, leitor(a), a se encontrar honestamente na fé, como têm me ajudado.
Jonathan
*Imagem: Rembrant - Auto-Retrato

terça-feira, 6 de maio de 2008

Henri Nouwen: um modelo para este século

Como você já deve ter percebido, Nouwen concentrou seus escritos no fracasso e nas imperfeições, falando de dores, tristezas, perdas e feridas constantemente presentes em sua vida, arriscando-se a gerar comentários e críticas depreciativas daqueles que não aceitam essa compreensão, assim como eu estou me arriscando nesse momento ao expor seu pensamento de maneira concorde. Michael Ford, biógrafo de Nouwen, e o escritor Philip Yancey, que dedicou um capítulo do livro Alma Sobrevivente exclusivamente para falar de sua admiração por Nouwen e apontá-lo com um de seus mentores, afirmam que esse “espinho na carne”, essa profunda dor que ele dizia “encarar nos olhos” e sobre a qual fazia questão de falar em seus textos, possivelmente era resultante de uma homossexualidade reprimida e, não sem muitas lutas, rejeitada.

Enfim, o fato mais importante a se tratar com isso é que todos nós possuímos feridas; algumas estão expostas, outras escondemos o máximo para que ninguém descubra, nos julgue ou aponte-nos como sendo “menos espirituais” por isso. Outras, quem sabe ainda estão obscuras, num campo menos conhecido de nossas vidas. Eu mesmo, tenho que reconhecer, não estou acostumado e nem gosto de falar de minhas próprias mazelas, nem tampouco de expô-las para que os outros vejam. Mas aprendi com Nouwen que “defeitos e fidelidade não suplantam um ao outro, mas coexistem”. Com Philip Yancey, falando sobre Nouwen, também testemunho meu aprendizado de que sofrimento e alegria podem caminhar juntos, que Deus pode usar todas as situações de nossa vida, até mesmo a dor que nunca vai embora.
E porque esta espécie de ministro, defendida por Nouwen, pode ser chamado de um “ministro curador”, ou um “ferido que cura feridas”? Vou deixar com que Nouwen mesmo responda com suas palavras, escritas no livro O Sofrimento que Cura:
É curador porque afasta a falsa ilusão de que integridade pode ser dada de um ser para outro. É curador porque não extrai a solidão e a dor do outro, mas convida a reconhecer sua solidão em um plano que possa ser partilhada. Muitas pessoas nesta vida sofrem porque estão procurando ansiosamente pelo companheiro, pelo evento ou encontro que as livrará da solidão. Mas, quando entram em uma casa de real hospitalidade, percebem logo que seus próprios ferimentos devem ser entendidos não como fontes de desespero e amargura, mas como sinais de que têm que caminhar para frente, obedecendo aos sons do chamado de seus próprios ferimentos (p. 133).

Quero terminar, citando uma canção do Stênio Marcius, que por sua vez se remete a essa profunda poesia da agonia da vida escrita pelo apóstolo Paulo em 2Co. 12:7-10, diz assim:
Às vezes parece que estou só e vencido, mas ao olhar vejo o meu Senhor, olhando para mim e dizendo, dizendo assim: a minha graça, a minha graça te basta, te basta, te basta; Porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. A minha graça te basta, te basta, te basta, porque quando sou fraco é que sou forte, que sou forte, que sou forte.
Jonathan

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Henri Nouwen: o sofrimento que cura

Minha própria percepção é de que se Deus não é pessoal e, por isso, aberto para chorar comigo em minhas tristezas, tampouco será capaz de rir ao meu lado em minhas alegrias ou se regozijar na minha prosperidade. Em Jesus, assim como na experiência de Jó e de tantos outros, não consigo ver um Deus intocável e insensível de tão poderoso que possa ser, mas, por ser tão poderoso, enxergo um Deus que se “rebaixa” se for preciso pra ter compaixão e misericórdia da minha miséria e que caminha comigo, uma ou dez de milhas, tanto no contexto das minhas dores como de meus maiores prazeres, em meio a alegrias que se conjugam com tristezas. Esse é o sentido da espiritualidade para Henri Nouwen.

Não se resume na simples idéia de realizar performances e sacrifícios para Deus, mas em convidá-Lo a entrar em nossas vidas de modo que Ele possa chorar com a nossa aflição ao mesmo tempo em que sofremos com as dores de Seu Filho e, conseqüentemente, compartilhemos do sofrimento do amor de Deus por um mundo ferido e proclamemos libertação. Conforme diz Nouwen, “assim como Jesus, quem proclama a libertação é convidado não só a cuidar dos próprios ferimentos e dos ferimentos do outro, mas também a fazer de seus ferimentos uma fonte maior do poder que cura” (O sofrimento que cura, p. 119). Para Nouwen, um ministro ferido pode e deve ser também um ministro que cura. Mas, para sermos “servos da cura”, antes é preciso identificar, entender e aceitar nossa própria dor.

“Nenhum ministro pode esconder sua experiência de vida daqueles aos quais quer ajudar”, afirma Nouwen, ao mesmo tempo em que não se pode empregar mal o conceito de ministro ferido defendendo uma forma de “exibicionismo espiritual” (O sofrimento que cura, p. 127). Esse é um tipo de equilíbrio que este autor encontrou contra possíveis questionamentos daqueles que porventura acharem que o conceito de ministro ferido é mórbido e doentio, contradizendo, por exemplo, a idéia de auto-realização, auto-estima, auto-preservação, auto-auto, etc., tão usadas no contexto pós-moderno (o que inclui as igrejas). Ou seja, vivemos nossas “vidas espirituais” como alpinistas de egos, parafraseando Philip Yancey.
Jonathan

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Henri Nouwen: alegrias conjugadas com tristezas

Henri Nouwen diz que nossa concepção sobre a alegria é baseada no sucesso, no progresso e nas soluções fáceis para nossas mazelas e problemas. Para Nouwen, o cristianismo de nossos tempos procura desconectar-se completamente da realidade do sofrimento e da renúncia ou da vida abnegada. É um cristianismo que busca vitórias sem esforços. Almejamos, de acordo com Nouwen,

crescimento sem crise, cura sem dores, ressurreição sem cruz. Não é de admirar que gostemos de assistir a desfiles militares e de aplaudir heróis que retornam, operadores de milagres e recordistas. Também não é de admirar que nossas comunidades pareçam organizadas para manter o sofrimento à distância. As pessoas são sepultadas de maneira a disfarçar a morte com eufemismos e ornamentação rebuscada (Transforma meu pranto em dança, 2002, p. 08).

Na visão de Nouwen, a maneira de Jesus é tão diferente. Ele não veio eliminar as dores, mas ajudar-nos a enfrentá-las com o realismo e a esperança que a vida nesse mundo requer, na perspectiva da graça e do amor de Deus, que padece junto com o sofrimento da humanidade. Ora, mas esse Jesus em nome de quem declaramos, determinamos, fazemos brados de vitória, repreendemos o inimigo, os infortúnios e as doenças que nos assolam, choramos, gritamos, esperneamos, rimos, batemos palma, rolamos no chão, nos declaramos perdidamente apaixonados por ele, não é o mesmo Jesus que disse: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33)? E tudo isso, lembrando, ele disse aos discípulos para que estes tivessem paz. Porém, será que em nossa compreensão triunfalista da fé e ilusória da alegria, existe lugar para se conceber uma paz que não significa apenas “ausência de conflito”, mas que se faz presente especialmente nos lugares de dor?

Em lugar de toda a balbúrdia espiritualista, somos chamados a abandonar a frivolidade do caminho fácil e também do fatalismo e desesperança, a deixar de lado nossos falsos gritos de “Hosana” ao mesmo tempo em que oprimimos nosso povo fabricando ilusões religiosas e, com elas, crentes imaturos e doentes, para viver nos caminhos de Cristo, romper as cadeias que ele rompeu, sofrer nossas próprias dores, não só as inerentes à vida, mas também aquelas inseparáveis do exercício da fé cristã na vida. Nas palavras de Nouwen:

Cristo convida-nos a permanecer em contato com os muitos sofrimentos de cada dia e a experimentar o começo da esperança e da nova vida, justamente aí onde vivemos, no meio das feridas, dores, falência. (...) terei menor tendência a negar meu sofrimento quando aprender que Deus o usa para moldar-me e atrair-me para mais perto de si. Deixarei de ver minhas dores como interrupções dos meus planos e serei mais capaz de vê-las como meios de Deus fazer-me pronto a recebê-lo. Deixarei Cristo viver junto às minhas dores e perturbações (Transforma meu pranto em dança, 2002, p. 09).

Jonathan